Associações e sociedades científicas estão mobilizadas contra as mudanças no Projeto de Lei 2630/2020 sobre fake news de autoria do deputado Alessandro Vieira propostas no projeto substituto apresentado pelo Senador Ângelo Coronel, no qual subverte o propósito do texto inicial, restringindo liberdades individuais e dando margem à censura e à violação da privacidade dos cidadãos.
Os líderes do Senado resolveram no dia 8 de junho adiar por mais uma semana a votação do projeto que cria a lei das fake news, devido à falta de consenso em torno de uma proposta para o combate à desinformação nas redes sociais.
A partir de proposição da Ulepicc, 20 entidades acadêmicas e científicas, incluindo a Socicom, assinaram uma nota pública apontando quatro pontos extremamente necessários para serem observados e discutidos com profundidade: gerenciamento e moderação de conteúdos pelos provedores que atuam na Internet; distintos agentes com interesse sobre o tema; complexidades conceituais e técnicas envolvidas pelos projetos de lei; e prováveis consequências a direitos fundamentais como a liberdade de expressão e vedação à censura.
Em nota, as entidades defendem ampla discussão das propostas que visam criar formas de controle social sobre as plataformas digitais de informação e comunicação, tendo em vista o papel crucial da utilização delas até mesmo para definição na ordem da política institucional de diferentes países do mundo, o que envolve com maior preocupação pública a difusão de desinformação.
A Ulepicc fez uma primeira avaliação, conforme versão final do relator a ser votada no parlamento em que identifica os pontos críticos da proposta do Senado:
- LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM ALTO RISCO
O projeto tem efeito bombástico na liberdade de expressão da internet no Brasil, estabelecendo que com a mera entrada com processo judicial a rede social tenha que remover o conteúdo questionado na Justiça para que não seja responsabilizada caso ele seja julgado ilegal (art. 53).
- REDES SOCIAIS SÓ COM COMPROVANTE DE RESIDÊNCIA
O texto burocratiza ao máximo o acesso às redes sociais, tratando todos os usuários como potenciais criminosos. Para controlar o acesso, todos os usuários deverão enviar todos os seus documentos para ter uma conta em rede social (art. 7).
- DEBATE ATROPELADO: PROJETO NUNCA FOI DISCUTIDO
Senadores votarão um projeto cujo conteúdo (dado pelo relatório do senador Angelo Coronel) foi divulgado há poucas horas, sem que os parlamentares e a sociedade possam avaliar e discutir suas propostas. Em um processo totalmente antidemocrático, além de violar vários direitos o texto possui inúmeras problemas técnicos. É necessário tempo para garantir um mínimo debate com a sociedade.
- PRIVACIDADE VIOLADA
Na linha de tratar todos os usuários de internet como potenciais criminosos, delegados e promotores terão acesso livre aos cadastros (agora documentados) de usuários de internet sem qualquer crivo judicial (art. 12).
- BLOQUEIO GERAL DAS REDES SOCIAIS E APPS DE MENSAGEM
Com mais de 50 artigos, o projeto cria inúmeras hipóteses que podem ensejar bloqueio dos provedores redes sociais, abrindo espaço para enorme insegurança e incerteza para quem trabalha dependendo da internet. Bloqueios como os que vimos, do WhatsApp, vão se multiplicar em todas as redes (art. 40 e restantes).
- LEGALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DA VERDADE
O texto legitima as redes sociais como ministério da verdade, legalizando seus termos de uso para derrubar qualquer tipo de postagem que desejarem (Art. 9). O relatório ainda dá o poder para as plataformas de definir quais são os casos excepcionais e quais outros vão exigir uma defesa prévia para remoção de conteúdo (art. 10, caput e § 5º).
- BLACK MIRROR NA VIDA REAL
O texto cria um sistema em que pessoas darão notas às outras e isso gerará prejuízos a quem for “mal classificado” (art. 14 e 15). Os critérios de classificação serão definidos pelas plataformas, abrindo espaço para todo tipo de abusos.
- LEGALIZAÇÃO DO ASSÉDIO E DOS ATAQUES
O PL legaliza as práticas de assédio e ataques na Internet pelo sistema de notas e ao prever que a pessoa será rotulada por qualquer denúncia que receber, mesmo as infundadas e antes da análise do mérito (art. 11). Quem tiver pontuação baixa não conseguirá ter seu conteúdo acessado e poderá inclusive perder a conta.
- CRIMINALIZAÇÃO DE QUEM APENAS COMPARTILHA CONTEÚDOS
O relatório pode jogar na cadeia por três a seis anos pessoas que repassaram conteúdos sem saber se são falsos (art. 47). Uma medida desproporcional e condenada por todas as relatorias internacionais de Direitos Humanos. Hoje, 59% das pessoas têm acesso à internet só pelo celular e muitas vezes não podem sequer checar conteúdos por não terem acesso a outros sites além do Whatsapp para checar as informações que recebem.
- ATIVISMO E JORNALISMO EM RISCO
Sem delimitar o que é “desinformação” ou “conteúdo manipulado”, a lei usa esses termos no novo enquadramento de organização criminosa e lavagem de dinheiro, abrindo enorme espaço de criminalização de qualquer ativismo, movimento social e jornalismo (art. 49 e 50).