Estão em risco “décadas de investimentos em recursos humanos e infraestrutura para a pesquisa e inovação do país”, diz o documento, obtido com exclusividade pela Folha.
Segundo os ex-presidentes, há um déficit de R$ 330 milhões apenas para o pagamento das bolsas. A entidade também já tem reduzido outras formas de incentivo à pesquisa, como editais universais para custeio de projetos e bolsas especiais, como as de pesquisadores visitantes.
Intitulado “Manifesto dos ex-presidentes do CNPq”, o texto será lido na assembleia geral da 71ª Reunião Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), que acontece nesta semana no campus da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Uma das formas para se obter o recurso é por meio de um projeto de lei a ser aprovado pelo Congresso Nacional que autoriza o governo a liberar os recursos. Segundo disse à Folha João Luiz de Azevedo, que também palestrou na reunião da SBPC, está sendo costurado um acordo para a liberação de R$ 310 milhões, além do descontingenciamento dos recursos da instituição (atualmente 11% está retido).
Se tudo der certo, a expectativa de Azevedo é que o orçamento volte para o patamar histórico de R$ 1,2 bilhão, o que permitiria que o CNPq honrasse seus compromissos e mantivesse o mesmo nível de atividade de fomento à pesquisa.
“Conclamamos […] as instâncias competentes do executivo e legislativo federal, a empreender todos os esforços na reversão deste quadro sombrio, com a imediata recomposição orçamentária para evitar o caos da interrupção no pagamento das bolsas. Especialmente esperamos que de imediato o Governo Federal faça valer o acordo acertado com o Congresso Nacional por ocasião da votação do PLN 4/19 (que autoriza o governo federal a realizar operações de crédito de até R$ 248,9 bilhões para pagar despesas correntes), em destinar ao CNPq, ainda em 2019, orçamento e recursos via crédito suplementar no montante de R$ 330 milhões”, escrevem os ex-presidentes —José Tundisi, Esper Cavalheiro, Erney Camargo, Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho, Glaucius Oliva, Hernan Chaimovich e Mario Neto Borges.
Outro meio de conseguir recursos seria o descontingenciamento do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que recebe recursos originários de impostos, juros de empréstimos, royalties da produção de petróleo e gás, da concessão de estradas, geração de energia hidrelétrica, entre outros.
O fundo rende R$ 5 bilhões anualmente, mas, neste ano, apenas R$ 600 milhões estão livres para uso do governo.
Mesmo que houvesse recursos privados para a área, eles não resolveriam o problema por causa de limitações impostas pela Emenda Constitucional 95, a Lei do Teto de Gastos, que impedem o crescimento do montante acima do total estabelecido pelo Orçamento. A regulamentação de novos fundos que possam receber esses recursos, diz Oliva, está entre as possibilidades para tentar, no futuro, ampliar o orçamento do CNPq.
Segundo Oliva, presidente da instituição entre 2011 e 2014, e organizador da carta, é importante o esforço neste momento por que há estudantes de pós-graduação, que são a grande força de trabalho da pesquisa no país, que podem ficar sem remuneração no período.
“Isso leva a um caos na vida do bolsista. É um impacto em quase todos os grupos de pesquisa e de pós-graduação do país. Esses estudantes, de mestrado, doutorado e pós-doutorado têm na bolsa sua única fonte de renda. A bolsa exige dedicação exclusiva — não pode dirigir Uber, não pode vender sanduíche. Isso significa que essas pessoas vão estar completamente desprovidas de recursos e que vão ter que se virar, ir atrás de meio de subsistência e deixar a pesquisa”, afirma.
Os valores das mensalidades das bolsas de mestrado e doutorado atualmente são, respectivamente, R$ 1.500 e R$ 2.200.
Abaixo, a íntegra do manifesto:
Manifesto dos ex-presidentes do CNPq
Nós, ex-presidentes do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, manifestamos nossa grande preocupação frente à grave condição orçamentária e financeira da agência que coloca em risco décadas de investimentos em recursos humanos e infraestrutura para pesquisa e inovação no Brasil.
Desde o início deste ano as lideranças do MCTIC, do CNPq e toda a comunidade científica vêm, sem sucesso, alertando para o déficit de cerca de R$ 330 milhões no orçamento para bolsas em 2019, agravado com o subsequente contingenciamento que reduziu ainda mais os recursos disponíveis para as atividades do fomento do Conselho. Como resultado desta situação a suspensão do pagamento de todas as bolsas do CNPq a partir de setembro deste ano é iminente. Este fato, inédito por mais de 30 anos na história da agência, colocará milhares de estudantes no país e no exterior em situação de risco e abandono. Por falta de recursos, o CNPq anunciou também a suspensão do edital periódico para bolsas no segundo semestre de 2019, e não se vislumbra nenhuma condição de reposição, ainda que parcial, do valor das bolsas de IC, mestrado e doutorado, cujo ultimo reajuste ocorreu a mais de 6 anos. Neste cenário, toda uma geração de pessoal altamente qualificado na pós-graduação brasileira será afetada, e como consequência, já se observa expressiva evasão de estudantes, baixa procura pela pós-graduação stricto sensu, esvaziamento dos laboratórios de pesquisa e perda de nossos melhores talentos jovens para o exterior.
Quanto ao fomento, projetos de pesquisa aprovados em anos anteriores seguem sem pagamento integral. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que historicamente supriu parte expressiva dos recursos necessários para a execução de programas centrais do CNPq como o Edital Universal e o programa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia – INCTs, está contingenciado em cerca de 90% de sua arrecadação e, portanto, impossibilitado de fazer repasses para atendimento das demandas. Nem mesmo a captação de recursos de parceiros privados tem sido possível por não haver espaço orçamentário para preenchimento com recursos externos, devido à emenda constitucional do teto de gastos (EC-95).
Além disso, o CNPq tem sido fortemente contingenciado nos recursos de custeio operacional e limitado em pessoal técnico pela inexistência de concursos públicos de reposição de quadros há quase dez anos, o que tem resultado em crescente dificuldade na manutenção de atividades e programas seminais para o sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, como as Plataformas Lattes e Carlos Chagas e o acompanhamento e avaliação de projetos e programas.
O CNPq, criado em 1951, tem sido ao longo de sua história, o vetor fundamental do desenvolvimento da ciência e da economia do Brasil. A nação não pode jamais perder este patrimônio construído ao longo de décadas pelo esforço conjunto de cientistas e a sociedade brasileira. O impacto da pesquisa nacional nos diversos campos da atividade econômica e nas políticas públicas do país são evidentes e foram amplamente destacados no Manifesto dos Ex-Ministros de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação recentemente divulgado, o qual subscrevemos integralmente.
Conclamamos, assim, as instâncias competentes do executivo e legislativo federal, a empreender todos os esforços na reversão deste quadro sombrio, com a imediata recomposição orçamentária para evitar o caos da interrupção no pagamento das bolsas. Especialmente esperamos que de imediato o Governo Federal faça valer o acordo acertado com o Congresso Nacional por ocasião da votação do PLN 4/19 (que autoriza o governo federal a realizar operações de crédito de até R$ 248,9 bilhões para pagar despesas correntes), em destinar ao CNPq, ainda em 2019, orçamento e recursos via crédito suplementar no montante de R$ 330 milhões. É também fundamental que a Lei Orçamentária Anual de 2020 contemple os recursos necessários para o pagamento integral das bolsas ao longo do ano e que permitam ao CNPq retomar a sua capacidade de fomento à pesquisa e à inovação em todo o território brasileiro.
José Galizia Tundisi
Esper Abrão Cavalheiro
Erney Felício Plessmann Camargo
Carlos Alberto Aragão de Carvalho Filho
Glaucius Oliva
Hernan Chaimovich Guralnik
Mario Neto Borges
Brasil, julho de 2019.
Fonte: Gabriel Alves para Folha de S.Paulo, 25/7/2019, divulgado pela Academia Brasileira de Ciências