A SOCICOM-Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas da Comunicação realizou em parceria com a ALAIC-Associação Latino Americana de Investigadores da Comunicação, o I Fórum que leva o nome das duas entidades e que aconteceu em um momento crítico para a comunidade científica em nosso continente.
Este primeiro evento teve como objetivo debater o papel das instituições científicas do campo da comunicação na formulação de políticas públicas. Como também, procurou trazer para visibilidade a existência, os avanços e as demandas relacionadas a políticas de financiamento e apoio a investigação, programas de internacionalização e qualificação de pesquisadores, além do apoio a publicações científicas; focando ainda, na formação de redes e observatórios científicos da comunicação.
Participaram da mesa de debates, Delia Crovi Druetta, na ocasião, ainda Presidenta de ALAIC; Ruy Sardinha, Presidente da SOCICOM; Karina Olarte, Presidenta de ABOIC- Associação Boliviana de Investigadores da Comunicação e da CONFIBERCOM-Confederação Iberoamericana de Associações Científicas e Acadêmicas da Comunicação, além de Ana Regina Rêgo, Diretora de Relações Internacionais da SOCICOM, que atuou como mediadora.
Delia Crovi que é docente da Universidade Nacional Autónoma do México-UNAM, explanou, inicialmente, explanou sobre as transformações e os desafios das políticas científicas para produção e divulgação do conhecimento do campo da comunicação. Apresentou um panorama do campo na América Latina e relembrou que em 2012 em reunião no evento da CONFIBERCOM no CIESPAL, foram elencados 12 principais pontos relacionados a políticas científicas na América Latina, que representam desafios para as instituições que fomentam a pesquisa.
O primeiro deles refere-se aos diferentes níveis de desenvolvimento e pesquisas, destacando o Brasil como pioneiro e, portanto, em nível mais avançado, e, situando o México em nível intermediário, no entanto, muitos países não possuem ainda uma cultura de produção científica na área, nem políticas de promoção ao conhecimento.
O segundo ponto refere-se ao sistema de trabalho dos pesquisadores nas universidades do continente. Sua experiência no México é de que apenas 20% trabalham em tempo integral e possuem um salário compatível, a maioria possui contrato de trabalho precário e, portanto, remuneração bem abaixo do aceitável, o que acarreta no não envolvimento da maioria dos profissionais no campo da pesquisa.
Posteriormente, destacou que as políticas públicas para o desenvolvimento da ciência na América Latina são “difusas, profusas e confusas” e pouco incentivam o crescimento do campo, em prol de uma comunicação democrática. Outro ponto importante, destacado pela Professora Doutora Delia Crovi foi o reconhecimento do caráter interdisciplinar, assim como, a invisibilidade da grande produção realizada nas universidades públicas no continente.
Para além dos problemas apontados, Delia Crovi chama atenção para a necessidade de abandono de uma visada eurocêntrica da produção científica, assim como, para o risco da perda de espaço da universidade como lugar de produção e fruição de saber, considerando que as políticas da maioria dos países privilegiam o crescimento das faculdades privadas voltadas para o conhecimento técnico, em que a produção científica não prolifera, ocasionando a disputa de um saber que não é científico. Em sua concepção, falta ainda um alinhamento histórico com o campo político, como também uma narrativa própria e comum ao campo da comunicação, por outro, lado a concentração midiática visível e exacerbada dificulta que a produção científica da comunicação tenha mais voz e chegue até a população.
Delia Crovi fez ainda um rápido panorama histórico sobre os campos científico e acadêmico da comunicação na América Latina, destacando o papel do CIESPAL, a proliferação dos programas de pós-graduação a partir da década de 1970 e culminando com a realidade atual que revela um sistema complicado, que exige que os mestrandos e doutorandos se dediquem somente às atividades científicas e não adquiram experiência durante a formação, o que complica ao final, quando os egressos não conseguem entrar no mercado de trabalho, exatamente pela falta de experiência. Criticou ainda o produtivismo acadêmico e a ausência cada vez maior, de financiamento para pesquisa.
Em seguida, o Professor Doutor Ruy Sardinha, Presidente da SOCICOM, falou sobre os arranjos institucionais e a política científica no Brasil destacando o papel das ciências humanas e sociais aplicadas. Inicialmente o destaque foi para a necessidade e ao mesmo tempo dificuldade em mantermos um diálogo com as ciências “duras”, destacando que é necessário apresentarmos claramente, qual a contribuição da comunicação para a ciência no Brasil.
Ruy Sardinha foi enfático ao afirmar que é necessário que cada pesquisador saia da sua zona de conforto, abandonando o individualismo de suas pesquisas para abarcar uma luta maior que nos leve a políticas científicas consistentes e perenes, assim como, para que sejam resguardados os financiamentos à pesquisa no Brasil, cujo sistema é bastante complicado e atende a pouquíssimos doutores.
Apresentou um panorama do cenário político e as relações com a política científica no Brasil com o crescente corte de orçamento tanto no Ministério da Educação, quanto nas duas maiores instituições de fomento à pesquisa: CAPES e CNPQ. Por outro lado, destacou a mobilização da comunidade científica que está em luta constante contra os desmandos do atual governo.
A próxima palestrante foi a Profa. Dra. Karina Olarte, Presidenta de CONFIBERCOM, que iniciou sua fala propondo uma agenda de trabalho comum para as instituições da América Latina, considerando tanto as diferenças em nível de desenvolvimento, quanto, principalmente, as semelhanças em termos de problemas no que concerne à política científica, fomento à pesquisa e valorização do magistério superior.
Posteriormente, a Professora Karina Olarte falou sobre o panorama na Bolívia abordando as questões do desenvolvimento voltado para a política econômica, que impacta diretamente na política científica e termina por configurar um paradoxo do desenvolvimento. Lembrou dos marcos que tornaram a Comunicação um direito, o que, entretanto, não vem sendo cumprido pelos países da América Latina.
Karina Olarte fez uma retrospectiva lembrando teóricos da América Latina que lutaram para construção de um campo da comunicação próprio, tais como: Jesus Martín Barbero, Luiz Ramiro Beltran e José Marques de Melo. Falou sobre o importante papel das instituições de fomento à pesquisa, tais como INTERCOM, ALAIC, ABOIC e outros. Destacou a importância da cooperação íbero-americana com a criação de cinco regiões de colaboração em 2013, durante o Seminário Andino de Investigación en Comunicación, em La Paz, a saber: Cuenca amazônica, Caribe e norte, Cone sur e Andes, além da Surandina.
Por outro lado, alertou para o perigo do reducionismo da cultura e da comunicação na construção do conhecimento, sobretudo, sobre o risco de se manter em nível instrumental e não servir para despertar o pensamento. Segundo Karina Olarte devemos trabalhar criar diálogos com as proximidades e proporcionar visibilidade para a produção científica no entorno. Nesse sentido se faz necessário, reorientar a cooperação, desde a democratização da participação cidadã, passando pela propriedade e conteúdo dos meios de comunicação e chegando até as ações de financiamento à investigação.
Karina Olarte apontou ainda fragilidades do sistema de políticas cientificas de financiamento que se encontra em processo de desvalorização, o que se reflete tanto no sistema público quanto no privado, que se voltam para o processo de desenvolvimento mercadológico.
O debate aconteceu a seguir com boas intervenções da plateia que questionou e se posicionou sobre revistas, financiamentos públicos, sistema de cargos e salários nas universidades, dentre outras questões.
Ao final ficou acordado que as instituições ali representadas tentariam firmar uma pauta de trabalho comum, que possa vir a influenciar positivamente os governos em prol de políticas científicas mais favoráveis ao campo da comunicação.
Em nossa avaliação essa primeira iniciativa foi bastante produtiva e positiva, visto que tanto nos aproximou das demais instituições da América Latina, quanto expôs inúmeros pontos de luta comuns, o que pode ser favorável para unificação dos discursos do campo nesse continente.
Serviço
Local: Universidade de Costa Rica
Tema: Políticas científicas para as comunicações na América Latina.
Período: 28 de julho