Novos modelos de percepção pública sobre ciência e tecnologia foi o tema da primeira mesa do V Fórum Socicom-Intercom realizado durante o congresso da Intercom na Universidade Federal do Pará em 3 de setembro.
Entre os pesquisadores e jornalistas convidados para o debate foi consenso que o discurso científico muito especializado e complicado necessita de mediação para a compreensão por parte do público, originando a necessidade de um especialista que sirva de elo de união. A estratégia serviria para enfrentar a diminuição da autoridade percebida dos cientistas como fornecedores de conhecimento legítimo e definitivo.
A professora Maria Olívia de Albuquerque Ribeiro Simão (UFAM), ex-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM, disse que há um consenso generalizado que o modelo de divulgação científica baseado em um déficit cognitivo não tem atingido os objetivos propostos pelos grandes programas nacionais de promoção da ciência e da tecnologia. Ela defendeu a popularização como elemento constituinte da ciência, ou seja, que se estabeleça um diálogo de saberes com a participação pública. Para isso, Olivia acredita que a comunicação sobre ciência precisa adotar o enfoque contextualizador aliado a função explicativa, afinal para participar é necessário conhecer.
Ao apresentar dados da pesquisa “Jovem e Consumo Midiático em Tempos de Convergência”, a professora Maria Ataide Malcher (UFPA) constatou que vídeos sobre ciência despertam o interesse entre vários jovens pesquisados. No entanto, o interesse está em uma ciência majoritariamente aplicada e voltada para resolução de problemas do dia a dia.
Numa fase de aprofundamento da pesquisa realizada com 21 jovens de 18 a 24 anos, originários de dois municípios afastadas dos centros urbanos e marcadas pela presença de populações tradicionais, bem como por limitações no acesso à tecnologia, a professora observou que nos vídeos assistidos por eles o especialista não tem centralidade como ocorre em programas televisivos tradicionais.
Ao contrário, “o conhecimento pode ser repassado e compartilhado por pessoas que vivem experiências parecidas com as dos consumidores e que, tal como eles, tentam se apropriar dos conhecimentos de uma área ou sobre algo para usar em seu dia a dia”, afirmou.
Para Maria Ataíde, “uma ciência dura e sem aplicação parece distante de uma geração que aprende rindo e se desafiando a conhecer mais e mais”. Posição que está na direção oposta na visão tradicional de ciência que remete a um conhecimento com viés cumulativo e que precisa ser dominado cada vez mais para o convívio em sociedade.
A partir da provocação “como levar a pesquisa para o cotidiano?”, a professora Adriana Cristina Omena dos Santos (UFU/INTERCOM) afirmou que a extensão é um dos mais relevantes e férteis caminhos para divulgação e popularização da ciência.
Com vasta experiência em extensão universitária, com ênfase em divulgação da ciência, Adriana destacou que são três os modelos pelos quais a sociedade aprende sobre ciência: o modelo em que os cientistas falam para os outros sem dialogar com a sociedade; o segundo considera o contexto dos sujeitos, e isso se traduz em diálogo; e o terceiro consiste no engajamento, isto é, não se trata mais de apenas trocar conhecimento, mas de os sujeitos se engajarem nas próprias pesquisas.
O terceiro modelo, no Brasil, quase não é realizado. A extensão seria uma das possíveis formas de a pesquisa engajar sujeitos: “não dá para divulgar ciência apenas pela pesquisa, precisa passar também pela extensão”.
Adriana ressaltou, ainda, que a sociedade se interessa por ciência, tem interesse genuíno, mas não por “essa” ciência e/ou pela forma como é apresentada. Jovens têm interesse, mas não têm ideia de onde acessar as pesquisas e de como fazê-lo. Portanto, é fundamental chegar a esses jovens, conversar com esses futuros pesquisadores, “investir na mídia que o jovem está consumindo”. Defende como superação dos gargalos da divulgação da ciência, a adoção de boas práticas existentes, a exemplo do uso de mídias sociais.
Jornalismo científico
Com o objetivo de mostrar boas práticas de cobertura sobre ciência, V Fórum Socicom-Intercom convidou as jornalistas Alexandra Ozório de Almeida, da Revista Pesquisa FAPESP e Marina Menezes do Nexo Jornal.
A diretora de redação da Revista Pesquisa FAPESP disse que a publicação ao longo de 20 anos tem evoluído e hoje desperta o interesse de pesquisadores que desejam divulgar resultados de projeto se também é uma referencia para a mídia tradicional.
Conforme Alexandra, a revista Pesquisa FAPESP autodefine-se como “revista de jornalismo científico”. Editorialmente, atenta para o que pode interessar ao leitor: ciência por cientistas; ciência com roupagem de entretenimento, como forma melhorar o acesso. A revista, para a divulgação de conteúdos, conta também com site, produção de vídeos e uso de mídias sociais. Nesses processos, considera a adaptação de linguagem.
Alexandra disse que no cotidiano da redação os jornalistas da revista enfrentam a dificuldade de tradução do científico. Destacou o fato de que a publicação, além de estar atenta à produção científica, procurar no noticiário questões que poderiam ser tratadas pela perspectiva da ciência, por exemplo, as queimadas na Amazônia. A partir do fato, busca mais informações e dados de pesquisa, como os do INPE, para a produção de matérias. Como também apresenta resultados de pesquisas que possam interessar pelo viés do conhecimento com layout mais leve.
“Pesquisador não gosta de jornalista, jornalista não gosta de pesquisador”. A frase abriu a apresentação da jornalista Mariana Menezes, do Nexo Jornal, encarregada da editoria de infografia e da área de novos projetos e produtos, para lembrar o desafio da cobertura sobre ciência no Brasil.
Destacou que o Nexo Jornal pratica o jornalismo de dados para que o público faça suas interpretações. Para isso, oferece contexto, explica, realizando uma cobertura equilibrada e plural. Dessa forma, segundo ela, tem sido possível realizar o sonho de contribuir para a cidadania, compromete-se com seu fortalecimento.
A publicação faz uso de diferentes estratégias para tornar acessível e compreensível os dados como uso de jogos, vídeos, infográficos, além de utilizar uma linguagem simples e direta. Com a estratégia consegue atingir os principais perfis de público: o mais velho que tem o Nexo como leitura complementar; e público mais jovem que tem o jornal como principal assinatura.
O Nexo tem espaço denominado de “Acadêmico” em que o próprio pesquisador conta os resultados de suas pesquisas de modo mais acessível para o grande público. Há há uma fila de 6 meses para a publicação de resultados de pesquisa de mestrado e doutorado. O jornal publica uma dessas pesquisa a cada semana. O que demonstra o grande interesse pela divulgação científica.
Segundo Marina, hoje os jornalistas são reféns dos rankings – daquilo que é mais lido, que recebe mais “curtidas”, das coletivas. Dessa forma, “sai a mesma coisa em todos os veículos”, disse. O Nexo age de outro modo. Além de receber os dados das coletivas, analisa os documentos, isto é, realiza a leitura integral de relatórios, de pesquisas e de outros documentos, e, nas matérias, apresenta o link para o documento original. O Nexo jornal quer fazer jornalismo sobre ciência que respeita o saber acadêmico.
Serviço
Mesa 1 – Novos modelos de percepção pública sobre ciência e tecnologia
Palestrantes: Maria Olívia de Albuquerque Ribeiro Simão (UFAM); Maria Ataide Malcher
(UFPA); Alexandra Ozorio de Almeida (Revista Pesquisa FAPESP); Marina Menezes (Nexo
Jornal); Adriana Cristina Omena dos Santos (UFU/INTERCOM)
Moderador: Rudimar Baldissera (UFRGS/SOCICOM)
Redação: Nelia Del Bianco e Rudimar Baldissera